O Registro Civil das Pessoas Naturais é a “instituição” destinada a conferir publicidade aos fatos e atos que interferem na existência e estado da pessoa natural, ao tutelar diversos direitos da personalidade, tais como: nome, intimidade (restrição da publicidade), status familiar, status social.
É a Serventia Extrajudicial com maior capilaridade em nosso país. Isso porque a lei determina que, em cada sede municipal, em municípios de significativa extensão territorial e em sedes distritais existirá, no mínimo, um registrador civil das pessoas naturais (art. 44, §§2º e 3º da Lei n.º 8.935/94).
Historicamente, o embrião do registro de nascimento, casamento e óbito deu-se pela Igreja Católica Romana (com os registros paroquiais), devido ao seu vínculo político com o Estado; e também em razão da necessidade do controle dos sacramentos da igreja: casamentos, batismos, doações feitas à Igreja no momento do óbito de alguém.
Com a separação do vínculo político entre Estado e Igreja, aumento da imigração e abolição da escravatura, os registros paroquiais não cumpriam mais a função de controle dos assentos de nascimento, casamento e óbito da população, pois seus registros apenas se referiam à população “católica”.
Foram instituídos, em cada freguesia do Império, os Juizados de Paz, a cargo dos escrivães, para cumprir o papel de registrar nascimento, casamento e óbito, não só da população católica, mas de toda a população.
Não vamos aqui detalhar toda a evolução histórica do Registro Civil, mas é importante entender de onde partimos, onde estamos e para onde vamos.
O Registro Civil sempre esteve ligado a uma circunscrição geográfica determinada, com acervo registral descentralizado, vinculado à serventia que praticou o ato registral. Portanto, com acesso limitado. Havia a consequente necessidade de deslocamento até o local do assento para obtenção de informações.
A evolução social trouxe novas necessidades aos registros públicos (e aqui já damos um grande salto para os tempos atuais).
Aquele objetivo inicial de controle de registros de nascimentos, casamentos e óbitos pelo Estado já não satisfazia as necessidades sociais. Exigiu-se, portanto, por sua relevância, aperfeiçoamento por parte dos registradores. O desdobramento desses atos (registros de nascimentos, casamentos e óbitos) desaguavam necessariamente em temas como filiação, direito ao nome, escolha de regime de bens no casamento, (in)dissolubilidade da união conjugal, divórcio; e tudo isso refletia nos registros públicos.
Reconhecimento de paternidade (biológica e agora também afetiva), alteração de nome como direito da personalidade, registro decorrente de reprodução assistida, assento de brasileiros no exterior e união estável são exemplos de temas atuais e constantes no Registro Civil das Pessoas Naturais, o que prova que o “RCPN” tutela os direitos mais íntimos e fundamentais do ser humano. Não é estático à realidade social, mas dinâmico; evolui e busca sempre atender os novos anseios sociais.
Pelo exposto, podemos analisar sua Evolução por duas perspectivas: Tecnológica e Jurídica.
Um grande marco da evolução tecnológica do Registro Civil foi a implantação da Central de Informações do Registro Civil (CRC), com o escopo de formar um banco de dados centralizado, desburocratizar o acesso às informações provenientes das serventias, interligar todos os cartórios de registro civil do país, permitir a comunicação instantânea dos atos e envio de documentos e certidões.
Podemos afirmar que hoje temos um “balcão virtual” nacional do Registro Civil das Pessoas Naturais, pois há a possibilidade de qualquer usuário acessar a plataforma “www.registrocivil.org.br” e solicitar certidões digitais ou físicas (nascimento, casamento, óbito), sem precisar se deslocar ao cartório do assento.
A Central também conectou os Juízes com as Serventias, através do módulo “CRC-JUD”, ao proporcionar o envio de Mandados, pedidos de Certidões e Buscas de forma direta e instantânea, o que fez abolir, assim, o envio físico de Ofícios e Mandados. Resultado: celeridade e menos custos.
A CRC interligou-se com a Base Nacional da Receita Federal, de forma que há a inscrição gratuita no Cadastro de Pessoas Física (CPF) dos recém-nascidos, no momento do registro de nascimento; há também a averbação do número do CPF nos assentos retroativos. Tudo isso de forma gratuita.
A evolução tecnológica continua. Acreditamos que, em breve, a escrituração dos assentos será “nato digital”. Continuemos a acompanhar esses avanços.
Como falamos inicialmente, o aperfeiçoamento dos atos registrais também avançou conforme as novas necessidades sociais.
O Registrador Civil, por muito tempo, foi um “coadjuvante” nos procedimentos e atos da sua atribuição: dependia sempre do parecer favorável do Ministério Público e do Juiz Corregedor para praticar os atos registrais (ex.: retificações, habilitações de casamento); sua qualificação era limitada.
A evolução jurídica da atividade (principalmente com o fenômeno da desjudicialização) trouxe novas atribuições ao Registrador Civil, que também demonstrou ser um profissional do direito capacitado e confiável (detentor de fé pública). De “coadjuvante”, passou a “protagonista” nos procedimentos: ampliou sua qualificação registral, sem a necessidade de parecer do MP ou do Juiz Corregedor (com algumas raras exceções).
A seguir temos alguns exemplos dessa evolução:
Nas retificações administrativas de assento, o registrador era apenas um condutor do procedimento. Cabia ao Ministério Público opinar e ao Juiz decidir a respeito do pedido. Com a Lei n.º 13.484/2017, a qualificação do pedido de retificação passou a ser exclusiva do registrador;
Registro Tardio de Nascimento Extrajudicial (Provimento n.º 28/2012 – atual Prov. 149/2023, art. 480);
Reconhecimento de Filiação Socioafetiva Extrajudicial (Prov. 63/2017 – Prov.149, Art. 505);
Alteração do prenome e do gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero no Registro Civil das Pessoas Naturais (RCPN) - Provimento 73/2018 (art. 516 do Prov.149/2023);
Lei n.º 14.382/22: formalização do Termo Declaratório e de Dissolução de União Estável, alteração de regime de bens na união estável de forma extrajudicial, partilha, Certificação Eletrônica de União Estável.
A sociedade evolui e o Registro Civil evolui também. Claro que em um ritmo mais brando, pois o Registrador deve ter autorização legal para praticar os atos (princípio da legalidade).
O Registro Civil como instituição e o Registrador Civil como profissional do direito têm atendido aos anseios sociais, demonstrado capacitação jurídica e eficiência na atuação.
É dever do profissional da área estar em contínuo aperfeiçoamento. Quer sejam titulares ou prepostos, de serventias maiores ou menores, todos necessitam de capacitação e aperfeiçoamento. O objetivo é responder com eficiência os anseios e necessidades da população.
Meu convite é para que você continue com a gente nesse processo de atualização e aperfeiçoamento. Bons estudos.
REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA:
Tratado Notarial e Registral vol. II/ Kumpel, Vitor Frederico et. al. 1ª ed. São Paulo: YK Editora, 2017.
Alise Andreia Formenti
Tabeliã e Registradora Civil, Especialista em Direito Notarial e Registral, Professora do Projeto Estudos Notariais.
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